O Todomeu – Andrea Camilleri
14/04/2015
Ariadne acaba de completar trinta e três anos, mas seu temperamento ainda é deliciosamente infantil. Giulio, seu marido, se empenha em realizar todos os seus desejos — inclusive aquilo que ele, por conta de um grave acidente, não pode mais proporcionar. Assim, da rotina de ambos, começam a fazer parte os encontros de quinta-feira, quando Ariadne se deita com outro homem, pago pelo próprio Giulio, respeitando poucas, mas invioláveis regras.
Não há segredos na vida desse casal, embora às vezes Giulio desconfie que algo esteja errado. E Ariadne tem mesmo muitos segredos, como o todomeu, um cantinho especial escondido no sótão, tal qual a diminuta caverna onde se refugiava na infância, quando vivia no campo. E é ali, no todomeu, que Ariadne faz confidências a Stefania, sua única e verdadeira amiga.
O jogo de Ariadne e Giulio é misterioso e sedutor demais para não representar perigo, especialmente porque ela, como qualquer criança, não compreende com clareza o limite entre a fantasia e a realidade.
Em O Todomeu, Camilleri põe em cena uma protagonista extraordinária: inquietante na sua pureza, assombrosa na luz que irradia. Nesse jogo irônico e refinado, o leitor é conduzido pelo labirinto de Eros até as profundezas do amor e da perdição, onde – como no mito de Ariadne – o Minotauro devora os desejos mais obscuros e inconfessáveis.
Não faço a menor ideia de como devo começar esse texto, assim como não gosto de comparações, porém nesse caso muitas lembranças vieram em minha mente e espero que minhas comparações sejam entendidas da maneira que pretendo... É que o livro de Andrea Camilleri não é um dos livros mais fáceis de se falar sobre o que eu achei. O livro é curto, tem pouco mais de 100 páginas e a leitura flui super rapidamente. Então eu passei pouco tempo com o livro e quando cheguei ao fim fiquei com aquela sensação de “eu gostei?” ou “será que não gostei?”. Não sabia ao certo o que pensar e até por esse motivo demorei para sentar e escrever a resenha...
Pensar na leitura de O Todomeu me transportou às minhas aulas de teatro, quando conheci e pude ler alguns textos do Teatro do Absurdo. Eu lembro que quando descobri o estilo achava que ninguém em sã consciência poderia gostar de algo assim, que como o próprio nome já diz é uma coisa totalmente absurda. Acontece que quanto mais eu me envolvia no estilo, quando mais eu ia lendo textos, mais eu ia me encantado e achando tudo aquilo a coisa mais incrível do mundo.
Para quem nunca ouviu falar, ou não conhece o estilo, o Teatro do Absurdo é assim designado por apesar das diferenças de texto entre os autores, eles tem como centro de sua obra o tratamento inusitado de aspectos inesperados da vida humana. E pensando no livro, vejo que foi o que eu encontrei – mesmo que não tenha sido esse o objetivo de Andrea. As personagens improváveis e suas personalidades peculiares em um texto que faz você se sentir de diversas formas, chega ao ponto de parecer normal um homem que está disposto a realizar todos os desejos de sua esposa – mesmo que isso signifique deixar que ela se deite com outros homens já que ele não pode mais fazer isso.
Ariadne por sua vez é uma personagem que irrita e cativa, os dois ao mesmo tempo. Em momento algum do texto eu consegui identificar sua real personalidade. Talvez por ela não ter apenas uma... Ela é adulta, compreende sua sensualidade e sabe usá-la, mas também é natural e parece não ter máscaras. Ao mesmo tempo é infantil ao ponto de acreditar que uma boneca está realmente viva (e conversar com ela), assim como acredita os ossos de uma cabeça de vaca se tocados podem levar a morte. E todas as suas nuances parecem se completarem como peças de um quebra-cabeças.
O “Todomeu” é um espaço secreto que Ariadne criou dentro de sua própria casa e que acabou se tornando seu refúgio e o lugar onde guarda todos os seus segredos. Entre lembranças do passado e os atuais acontecimentos vamos conhecendo um pouco mais dessa personagem e todas as suas facetas. E o mais incrível é que o livro termina e você não tem certeza de nada. E não por não ter um final. Você sabe o que aconteceu e pode imaginar para que rumo as coisas todas seguirão, mas mesmo assim ele ainda te deixa com algumas perguntas – daquelas que se tivessem a resposta nas páginas do livro perderiam toda a graça, entendem?
Assim como Beckett escreveu sobre dois adultos que esperam um Godot que nunca chega e que cada leitura trás uma interpretação única para cada leitor, Camilleri escreveu um livro onde os acontecimentos apresentados podem te fazer pensar em coisas muito mais amplas do que realmente são. De certa forma, O Todomeu levanta questões morais que fazem o leitor refletir até onde realmente os personagens estão certos, até que ponto seus atos são por bondade ou então como o mal pode se apresentar de forma extremamente doce e aparentemente pura. É aquele tipo de livro que você termina de ler, mas que a leitura não acaba com o fechar das páginas.
4 comentários
OI Lica!
ResponderExcluirLendo a sinopse, você acha que é um livro mais do mesmo, mas ai lendo sua resenha, vi que é um livro BEM complexo. Fiquei até meio perdida, tive que ler a resenha duas vezes para começar a entender algumas coisas e, ainda assim, não entendi muita coisa.
Acho que vou colocar Todomeu na minha lista porque fiquei bem curiosa e confusa com tudo!
Beijos
LuMartinho
Oi Lica..... adoro livros que levantam questões morais.... gostaria de ler, embora minha lista está sempre enorme.....
ResponderExcluirbeijo
Ainda não tinha visto nada sobre esse livro e assim como você acabou de ler sem saber se gostou ou não, eu acabei a sua resenha sem saber se quero ler ou não. Parece interessante, mas livros que terminam sem responder todas as minhas perguntas sempre me deixam um pouco frustrada, embora eu entenda que alguns só possuem "graça" por serem assim.
ResponderExcluirBeijos.
Lica, percebi que o livro é bem complexo.
ResponderExcluirEle mostra uma personagem que tinha tudo para ser mais do mesmo, porém surpreende e intriga aos leitores.
Gostei de saber sobre o Teatro Absurdo, nunca tinha ouvido falar.
A personagem principal parece ser meio irritante, mas acho que eu gostaria de ler o livro.
Lisossomos
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